Os minimercados dentro dos condomínios residenciais viraram a bola da vez das grandes redes de varejo e das construtoras de apartamentos. Além de vender produtos que salvam a vida dos condôminos em momentos de aperto, a estratégia também ajuda a valorizar os imóveis, cujos preços podem subir até R$ 50 mil.
Em pequenos espaço, de 5 a 30 metros quadrados, pode-se instalar uma loja que fica aberta 24 horas por dia, não tem funcionário e oferece até 500 tipos de produtos, entre alimentos, bebidas e produtos de limpeza. O morador paga a compra por meio de um caixa de autoatendimento ou de um aplicativo de celular, de forma simplificada e similar ao que acontece nas lojas Amazon Go, nos Estados Unidos, desde 2016.
Nascido no País pouco antes da pandemia, o negócio ganhou fôlego depois do fim da crise sanitária e começou a ser o foco de redes de supermercados e novas empresas do varejo alimentar. Do lado das construtoras, os mercadinhos passaram a ter presença obrigatória em projetos residenciais. Segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, as lojas geram valorização adicional aos imóveis de 5% a 10%, chegando a até R$ 50 mil.
Por isso, empresas como Cyrela, MRV, Cury, Plano&Plano e Trisul estão incluindo em seus empreendimentos os projetos de minimercados que, em muitos casos, operam sob o modelo de franquias. Segundo dados da pesquisa de Tendências de Moradia de 2023, realizada pela DataZap, os minimercados nos condomínios são importantes na decisão de compra ou locação de imóvel para cerca de 3 em cada 10 pessoas.
Atrás apenas de espaços para delivery e para animais de estimação, os mercadinhos se mostraram mais desejados do que itens como quadras de areia ou de tênis, sauna, piscina coberta aquecida, espaço para trabalho remoto, rooftop ou lavanderia compartilhada.
“Observamos que, entre os compradores, essa incidência tende a ser maior nas gerações Y (que está na faixa dos 30 ou 40 anos), com 34%, e X (entre 40 e 60 anos), com 31%. Além disso, destaca-se o interesse principalmente dos entrevistados com rendas superiores a 10 salários mínimos (40%)”, diz Natalia Ribeiro, especialista em inteligência de mercado do Grupo OLX, dono da Zap Imóveis. Segundo ela, para os compradores que trabalham no regime híbrido ou em home office, a presença de minimercados ou lojas de conveniência na área comum do imóvel ganha ainda mais destaque como uma comodidade importante ao escolher a moradia futura.
A tendência atrai grandes redes. No Carrefour, por exemplo, a maior varejista de alimentos e bebidas do País, o crescimento das lojas autônomas em condomínios impulsionou no ano passado a expansão da bandeira Express, que reúne as lojas de menor porte do grupo. “O crescimento dentro da bandeira Express está sendo puxado pelas lojas de condomínio”, afirma Roberta Raso, diretora executiva de franquias do Carrefour Express.
Em 2023 foram abertas 17 lojas da bandeira Express, das quais 14 lojas autônomas em condomínios residenciais, uma loja dentro de uma empresa e duas lojas Express no formato tradicional de rua. No total, hoje são 28 lojas autônomas em funcionamento em condomínios residenciais, dos 176 pontos de venda com a bandeira Express. Para este ano, a executiva diz que a expansão continuará sendo impulsionada por esse modelo, agora com a possibilidade de lojas franqueadas.
Impulso pandémico
André Mesquita, gerente-geral de negócios da Living, marca de médio-alto padrão da Cyrela, conta que a demanda por mercadinhos nos empreendimentos já existia desde antes da pandemia, ainda que as medidas sanitárias tenham alavancado esse modelo de negócio. Nos seus empreendimentos imobiliários em São Paulo e região, a empresa coloca espaços para as lojas autônomas desde 2018, fornecendo infraestrutura básica para instalação de refrigeração e videomonitoramento.
“O minimercado nos condomínios é uma demonstração de como o mundo moderno tenta tornar a vida nas cidades mais cômoda, porque as pessoas gastam muito tempo com outras coisas”, disse Mesquita.
Em um levantamento feito pela empresa de inteligência para o setor imobiliário Brain, o mais consistente item de desejo em uma área comum de condomínio, tanto do mercado em geral quanto dos apartamentos dentro do programa Minha Casa Minha Vida, era a presença de mercadinhos no empreendimento.
Para a diretora de incorporação da Plano&Plano, Renée Silveira, o mini mercado se tornou um dos itens mais desejados pelos consumidores junto ao espaço para entregas de compras online, especialmente depois da pandemia. “No passado, entregamos projetos sem os espaços para os mercadinhos. Hoje, há projetos sendo reformados para utilizar áreas do condomínio para mercadinhos”, diz.
A empresa, focada em imóveis para o público de baixa renda, entrega os empreendimentos com o espaço para os minimercados, mas não define qual marca o ocupará, deixando a escolha livre para os moradores, em reuniões de condomínio.
Para o sócio da consultoria Sponsorb, Fernando Moulin, professor de MBA da ESPM, os mercadinhos são voltados a momentos de urgência ou para consumidores que não se preocupam com o preço que pagam por produtos de necessidade básica. “Essa loja é uma exposição a mais da marca junto ao consumidor. É uma operação que tem lucratividade alta, então ela compõe a margem do todo. Entretanto, o impacto total, falando em termos de linha final de balanço dos grandes varejistas, deve ser muito pequeno, uma vez que são operações que, na prática, vêm em baixos volumes”, diz.
Franquia ou loja própria?
Em dezembro do ano passado, o Carrefour estreou no formato de franquia com loja autônoma em condomínio. Atualmente, só há uma loja franqueada nesse modelo em operação. Para este ano, a perspectiva é que metade das lojas autônomas abertas sejam franquias.
Na França, a maioria das lojas de conveniência do Express é franquia e na Espanha há um número significativo de pontos de venda nesse formato. “Temos a nossa tecnologia, o nosso próprio aplicativo (para a loja autônoma) e sabemos que é um modelo que tem uma boa característica como franquia”, diz Roberta.
O Grupo Hirota de supermercados, que abriu a primeira loja autônoma em condomínio em julho de 2020 e foi um dos pioneiros nesse formato, também tem como motor de crescimento os mercadinhos de condomínios. Assim como no ano passado, a rede planeja abrir 24 lojas autônomas neste ano, com investimento de R$ 8 milhões – está prevista a inauguração de apenas um supermercado, somando-se aos 17 hoje em funcionamento.
Ao todo, o Hirota tem em operação 122 lojas autônomas em condomínios localizados na Grande São Paulo, no ABC Paulista e em Guarulhos (SP). Dos R$ 680 milhões de faturamento em 2023, 12% foram referentes às vendas em mercados autônomos. A meta para este ano é ampliar as vendas em 10,6% e manter a participação das lojas autônomas no faturamento. “As novas lojas serão nessas mesmas regiões, que têm potencial para 2,5 mil lojas autônomas”, diz o diretor de expansão da empresa, Hélio Freddi.
Ao contrário do Carrefour que prevê a expansão também por meio de franquias, o plano do Hirota é crescer só com lojas autônomas próprias. “Fizemos um estudo e concluímos que franquia não é rentável nem para o franqueador nem para o franqueado”, diz Freddi.
Buscando seu lugar ao sol com uma expansão em ritmo acelerado, uma nova entrante no nicho dos mercadinhos autônomos é a Market4u, fundada em 2020, ano marcado pelo início da pandemia de covid-19. Com investimento de R$ 75 mil, sendo R$ 50 mil referentes à taxa de franquia, é possível abrir uma unidade da Market4u, maior rede de microfranquias do País atualmente, de acordo com a Associação Brasileira de Franchising (ABF). O franqueado da empresa pode abrir até cinco lojas, investindo mais R$ 25 mil por unidade. O faturamento mensal é estimado em R$ 59 mil, segundo a companhia.
Eduardo Cordova, CEO da Market4u, conta que a empresa tem parceria com a MRV, com forte presença no País no mercado de apartamentos no programa Minha Casa Minha Vida, para implementar o mercadinho autônomo nos novos empreendimentos imobiliários. “50% do nosso crescimento em 2023 foi em condomínios residenciais. Temos 2,1 mil lojas atualmente, mas o mercado já tem 10 mil lojas autônomas”, afirma Cordova.
Outras marcas que também operam sob modelo de franquias de mercados autônomos no País são VendPerto, Minha Quitandinha e Honest Market.
Mudança de hábito
O sucesso do modelo de lojas autônomas dentro de condomínios residenciais é explicado pela mudança no comportamento de consumo, segundo Roberta, do Carrefour. “O modelo de loja de mercado de conveniência vem numa crescente”, afirma.
E a procura por mais comodidade nas compras foi acelerada pela pandemia e caiu no gosto do brasileiro. “Nada mais conveniente do que ter um mercado dentro do seu próprio condomínio, ter mais segurança e perder menos tempo de locomoção”, argumenta.
Freddi, do Hirota, confirma a forte demanda por esse tipo de loja. “Tenho pedidos de mais de 500 lojas em prédios já existentes. Tenho loja para inaugurar nos próximos dois anos, a demanda é absurda”, conta.
Além disso, construtoras estão interessadas em incluir esse tipo de loja em novos projetos que ainda não saíram do papel. Porém, nem sempre dá certo. O executivo explica que as lojas da rede são destinadas a prédios com mais de 300 apartamentos. No momento, a varejista estuda um formato, também automatizado, para atender condomínios menores, com 150 a 250 apartamentos.
“A lojinha se tornou um diferencial na venda do empreendimento e aumenta o valor do apartamento”, diz Freddi. Ele conta que há relatos de moradores onde a varejista opera que ter minimercado no condomínio, lavanderia e outros serviços, valoriza o imóvel em até R$ 50 mil no momento da venda.